Durante muitos séculos as doenças infectocontagiosas foram as maiores causas de mortalidade nos seres humanos (talvez em segundo lugar nos períodos de grandes guerras, rs). Ainda hoje, em países menos desenvolvidos, as doenças infecciosas são grandes causadoras de mortalidade, especialmente em crianças. Em países como o Brasil apenas recentemente as doenças crônicas passaram as infecciosas em mortalidade.
Na medida que os países se desenvolvem, há uma tendência no melhor controle de doenças infecciosas, que começam a causar menos mortes. Em contrapartida, doenças crônicas, cardiovasculares e tumores começam a se tornar mais relevantes. Esse fenômeno é chamado de transição epidemiológica. Junto com as doenças crônicas vem as doenças genéticas, cada vez mais diagnosticadas.
O aumento no diagnóstico de doenças genéticas, em contrapartida, traz novos desafios: Como manejar esses pacientes? Como tratar algo cuja causa, muitas vezes, é um defeito genético incorrigível?
Em primeiro lugar devemos ter em mente que, por mais que muitas doenças genéticas realmente não possuam um tratamento específico, o diagnóstico precoce sempre ajuda já que a partir dele é possível direcionar o manejo desse paciente e prevenir complicações.
Algumas doenças podem ter consequências graves se não forem monitoradas adequadamente. Um exemplo que cito, pois é uma doença genética relativamente frequente, é a síndrome de Williams. Essa doença é causada por uma microdeleção no cromossomo 7, ou seja, uma perda de parte deste cromossomo e junto com ele vários genes importantes. Essa doença está associada a diversas complicações cardiológicas graves e diagnosticar ela permite que monitoremos esse paciente, evitando um desfecho súbito e fatal. Esse mesmo raciocínio se aplica a diversas outras doenças e é um dos pontos pelos quais gosto de frisar a importância do diagnóstico genético.
Ainda assim muitas doenças genéticas continuam sem cura, uma vez que a causa delas, o defeito genético, é na maioria das vezes incorrigível. Ainda.
Recentemente, com o surgimento de novas tecnologias, essa perspectiva vem sendo mudada. O que antes era incorrigível pode muito em breve não ser mais. Falo das técnicas de edição genética, mais especificamente do CRISPR-CAS9.
O Sistema CRISPR-Cas9
Esse sistema foi originalmente identificado em bactérias apenas recentemente, em 2012. Logo após, porém, surgiram pesquisas na tentativa de adapta-lo para uso em outros tipos de células, dentre elas as células humanas, afinal se for possível utilizar esse mesmo sistema em humanos é possível removermos uma série de mutações danosas que levam a doenças genéticas. Literalmente seria possível corrigir o erro genético que leva a doença.
Tudo isso ainda está em pesquisa, e a explicação acima é bastante simplificada.
As primeiras experiências de CRISPR-CAS9 em células humanas foram realizadas em 2013, com alguns bons resultados. Testes em animais também se mostraram promissores. Nenhum teste clínico foi feito em humanos ainda, porém existe a expectativa de que os primeiros trials com CRISPR-CAS9 comecem ainda em 2018. Existe então uma certa distancia até esse tipo de tratamento estar disponível ao público.
Uma coisa é inegável: A genética está se tornando cada vez mais protagonista no diagnóstico e tratamento das doenças. Isso é muito bom e me deixa feliz que cada vez mais médicos (e pacientes!) estejam se interessando pela área. Há menos de 20 anos sequer sabíamos quantos genes o ser humano tinha. Hoje já é possível uma pessoa comum sequenciar o próprio DNA por um valor que, se não é ainda completamente acessível (Um genoma no Brasil ainda custa entre 15 e 20 Mil reais no mínimo), já é palpável. Exames mais direcionados, que atendem a maioria dos casos, já estão disponíveis por menos de 2 mil reais e se tudo der certo, em breve a CRISPR deve se juntar a esse grupo.